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A construção social

Publicado: sexta-feira, 21 janeiro - 2011 em Ciência, Filosofia
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Outra postagem breve, de silogismo barato, mas que eu precisava registrar.

Discutia por esses dias com um sujeito no orkut. E ele teimava comigo que nem tudo é construção social, que a realidade existe independente do ser humano. Vai parecer um pouco “Matrix” o que vou dizer, mas mesmo depois de debater, eu discordo.

O mundo existe fora da ótica humana? E a realidade?

Eu penso que não. “Mundo” e “realidade” são conceitos que a gente inventou para descrever um conjunto de coisas que concebemos. Mas eles representam apenas o que o ser humano consegue perceber dessas coisas. Então seja lá o que chamamos de realidade, ela só existe nas nossas mentes. Nada que o humano diz ou pensa é independente dele.

E se alguém tiver um argumento legal pra contrapor, ainda estou aberto a enxergar por outra perspectiva…

Mas pra mim isso parece “mania de físico”. Assim como nós, biólogos, queremos ver as coisas evoluindo o tempo todo, talvez eles queiram que tudo caiba nas regras que já entendemos… Mas não dá pra saber se cabe mesmo. A gente ainda não sabe o que é tudo. E nunca vai saber.

Este post faz parte da Blogagem Coletiva – Dia de Amar seu Corpo 2010.

Eu era uma dessas crianças esquálidas… Hoje em dia só se fala das crianças que sofrem por obesidade, e a magreza parece ter virado moda. Mas no imaginário popular, a criança magra ainda é doente. E no final dos anos 80, quando eu estava começando a viver a infância, o saudável era ser “gordinho”.

Era ritualístico as mães enfiarem comida nos filhotes, as avós olharem feio pras mães porque não estão alimentando direito as crianças, e coisas do tipo. Os leitores mais velhos certamente se lembram dessa época. E pra ajudar, eu era meio amarelinho.

Se passaram por volta de 14 anos (o período em que somos cuidados por pediatras) ouvindo que eu devia ser anêmico, que eu precisava de complexos vitamínicos, que eu devia tentar ganhar massa. Mas nenhum dos meus exames chegou a apontar qualquer desses problemas. Eu sequer estava abaixo do peso “mínimo recomendado” para minha idade. Mas isso ficou na minha cabeça durante bastante tempo. Principalmente depois dessa época, quando a maioria dos meninos começaram a “ganhar corpo” (e eu não).

Eu não tinha quadradinhos na barriga, porque eu não jogava futebol. No lugar disso eu tinha uma expressão côncava que faria um leigo questionar se eu realmente possuía todas as vísceras em tamanho e número certos. Eu também não fiquei com ombros largos. No lugar disso, eu fui me encolhendo até desenvolver uma corcundinha (o destino dos longilíneos). Você é esticado, e tem vergonha de ser assim, porque seus braços e pernas são compridos como o esperado, mas são finos. Então você se encolhe e fica parecendo ainda mais uma vareta. E aí usa roupas largas na esperança de se esconder e fica parecendo um fósforo de pijama.

Uma vez fui a um médico para fazer todos os incansáveis exames de rotina e constatar novamente que eu não tinha nada. Dei sorte. Era um senhor bem humorado, que quando ouviu a história médica que eu resumi aqui, me olhou e disse “Então, se você nunca teve nenhum problema de saúde, porque veio aqui?”. Essa pergunta mudou minha visão sobre o exercício da medicina, mas falarei disso em outro momento. O importante é que ele me disse “Você é magro, esse é seu biotipo”. Aí me mostrou um cartaz com vários desenhos de corpos, dos mais fininhos aos mais robustos, onde apareciam diferentes tipos de estruturas ósseas. Apontou pra uma delas e disse “seu corpo é assim”, depois apontou pra outra “ele nunca vai ser assim”. Mas ele me olhva com uma cara de como quem completaria com “e isso não é ruim”. Bem diferente dos modelos de corpos dos livros didáticos, não?

Aí eu perguntei pra ele se ele achava que eu devia fazer exercícios, atividade física, enfim… As pessoas já estavam quase me convencendo de que eu devia procurar uma academia e ganhar uns 10 quilos de músculo. Ele deu risada e perguntou “Você sente necessidade de fazer exercícios? Se sente cansado? Está infeliz com a sua saúde?”, e eu disse um “não” bastante sincero. Ele terminou dizendo “Então provavelmente não. Se você decidir fazer alguma atividae física, procure algo que você goste, com que você se identifique. Só não vá para uma academia porque isso é coisa de bixa que quer ficar bonitinha. Faz yoga ou algo que ajude a circulação e a respiração, acho que tem mais a ver com você e seu histórico médico”.

Daquele dia em diante, o espelho passou a sorrir pra mim de modo diferente. E eu aos poucos fui deixando de achar que eu precisava ser algo que eu não sou. Hoje sou feliz com as minhas costelinhas, com minhas canelas finas, com minhas mãos alongadas, enfim…

O que quero dizer com tudo isso é que a resposta para esses dramas de autoimagem estão sempre dentro da gente. Nós sabemos quando algo não está bem pra nós (independente de estar pros outros). Eu não suporto academias, pelo ambiente e pelas pessoas. E também porque 70% de mim concorda com o que o médico disse (e usaria o mesmo tom pejorativo).

Se alguém se der o trabalho de procurar na internet editoriais com modelos magrelos ou gordinhas, vai achar muita coisa bonita. E isso por uma questão muito simples: o que faz uma foto ficar bela é um contexto grande de trabalho de arte, não um corpo.

Esse rabisco preto foi porque eu estava com preguiça de tirar a marca da cueca num editor bom e fiz no paint mesmo.

Concluindo: Qualquer corpo pode ser belo. E saúde é um conceito particular.

Quando você se aceita como é e para de tentar se deformar em nome de um conceito padrão ou de uma beleza imposta, você não se torna um pedaço de plástico sem graça. E se não fosse assim, não haveria trabalho de edição para modelos bombados, nem para as modeletes padrão.

Já repararam como é engraçado o conceito de “corpo definido”?

Particularmente, meu espírito livre, ou melhor, mais que isso, libertário, não vai permitir que meu corpo seja definido por alguma coisa. A verdadeira definição de um corpo é sua expressão mais natural e sincera. Se eu pintar um animal antes de descrevê-lo, cortar suas penas como eu preferir, e inserir alguns adornos nas unhas, poderei ter em mãos a descrição de algo nunca visto na natureza, algo curioso, invejável. Mas será de mentira. E isso só causará frustração aos que esperarem ter um animal desse em casa.

Mas já estou biologizando meu discurso, sinal de que é hora de parar hehehe

Não deixe que definam seu corpo! Não lute para ser algo que não é! Gaste essa energia fazendo as pessoas engolirem, goela abaixo, aquilo que você realmente é.

Pra que haja conteúdo, vou ter que falar pouco. Quando o assunto é evolução, qualquer biólogo que se preze fica empolgado e tenta explicar o universo todo. Eu também sou assim, mas vou me controlar. Esse post será uma nada rápida desmistificação do conceito deturpado popular de evolução que se aplica às sociedades, muitas vezes de forma equivocada.

Primeiramente, vamos esclarecer que evolução não é um proceso. É o nome que se dá a um conjunto de diversos processos que, embora entrelaçados, são independentes. Aos conceitos, então:

Diversidade

A diversidade é inerente à vida como a conhecemos. Se há alguma forma de vida que não esta sujeita a esse princípio, ainda não a encontramos. Mas dentro dos conceitos de vida mais aceitos pelas ciências, se essa “coisa” aparecer, ela não será identificada como viva tão rapidamente. A partir do ponto em que é inerente, ela não pode ser condenada. Mais que isso, ela adquire importância. Numa população em que há grande diversidade (portanto, variedade nas características que ela expressa), temos pequenas subpopulações com capacidades distintas de resistência, aptidões desenvolvidas de modo e intensidade diferentes e o mais importante: capacidade de adaptação. Esta populção pode estar sujeita a diferente tipos de pressão, da falta de alimentos a alterações climáticas, mas ainda que perca alguns de seus exemplares (talvez até os mais notáveis) resistirá enquanto população. Uma população com pouca diversidade, por outro lado, estará sujeita à extinção com maior facilidade sob pressões, muitas vezes, pequenas. Algumas formas de vida resistem numa faixa de temperatura estreita, por exemplo. Uns graus a mais e toda a população morre. Pouca diversidade resulta em fragilidade para a população como um todo.

Seleção

A seleção é a parte mais engraçada do processo evolutivo, porque as pessoas tendem a ver processos coordenados aqui, apesar de se tratar de um fenômeno bastante caótico. O processo de seleção ocorre quando, dada uma pressão, parte da população sucumbe e parte resiste. Exemplo bobo típico da girafa: Árvores mais altas num período de seca faria com que as de maior pescoço conseguissem se alimentar mais (e se reproduzir mais), enquanto as de menor pescoço morreriam. Outro: machos de penas azuis, por algum motivo, tornam-se mais atraentes para as fêmeas de uma dada espécie de aves, assim se reproduzem mais e com o tempo teremos uma espécie cada vez mais azul. Até o momento em que esse azul, por exemplo, comece a chamar atenção de predadores, então os muito azuis serão predados e a espécie terá um tom de azul intermediário.

Talvez a biologia tenha ecolhido a palavra errada para ese processo, pois não se trata de uma escolha. E aqui vão me chamar de “cricri”, eu sei. “O André é extremamente birrento com essas coisas de terminologia”. Sou mesmo. Mas não é a toa. Quando falamos de uma população selecionada, dá a entender automaticamente que ela foi escolhida. E se pensamos numa escolha, que é um processo consciente, pensamos que se uma população foi escolhida em relação à outra, ela deve ser melhor.

Eis o grande precipício entre a ciência biológica e o senso comum. A “seleção” faz parecer que algumas das características expressas dentro de uma população diversa são melhores que outras, porque resistem. Por pura preguiça de pensar que se a pressão fosse outra, talvez a parcela extinta fosse a sobrevivente e vice-versa. Isso tira todo o sentido da diversidade, pois induz a pensar que dentro de uma população, existem diversas características: a melhores e as piores. As piores vão ficando para trás e as melhores são mantidas, e assim caminhamos rumo à perfeição platônica.

Sim, em termos de “evolução” intelectual, andamos bem menos do que pensamos. Esse – o da perfeição – é apenas um dos paradigmas que ainda mantemos desde o princípio da nossa filosofia (do meu ponto de vista “perseguidor”, graças ao cristianismo).

Isso nos dá condições para pensar que algumas das variações (lembrando que variação é a expressão do princípio da diversidade numa população) podem ser chamadas de deformidades ou inaptidões. Se a criança nasce sem a orelha esquerda, ela nasceu deformada, e é pior que as outras crianças. Em tempos obcuros da história científica, isso já foi justificativa pra matar muita gente (mas não se enganem: a eugenia ocorre ainda hoje, de modo mais sutil). Em busca do ideal perfeito, minamos lentamente nossa diversidade. Os mais dramáticos diriam que nos tornamos uma massa amorfa e sem luz. Eu não sou tão trágico. Acho que existe sim muita forma e muita cor. Mas ainda é frágil.

Quando minamos a diversidade que se manifesta ao nosso lado, tornamo-nos frágeis. Tornamo-nos frágeis enquanto indivíduo e enquanto espécie. O que costuma diferir o ser humano de outras spécies é justamente a capacidade cognitiva. Só não descobrimos até hoje se isso foi realmente uma vantagem. Às vezes parece que não. Quando tentemos nos aproximar como que querendo todos estar na “média” e isso nos faz sentir mais fortes, parece que não.

O terceiro passo do conjunto de processos (que simplifiquei em três, mas vai bastante além… De cinco a muitos, dependendo do autor) é o que segue:

Especiação

Numa dada linha da história, as populações selecionadas vão se tornando distintas ao ponto de já não pertencerem a uma mesma espécie (que é, às vezes, também um conceito difícil de definir). Elas adquirem identidades tão diferentes que deixam de se misturar. Deixam de se reproduzir entre si. Esse isolamente é resultado de processos que levam mais tempo do que a nossa história toda enquanto espécie, na maioria dos casos. Mas ainda assim parece haver um fantasma rondando esta possibilidade. Um fantasma que nos deixa apavorados com a possibilidade de não sermos mais todos irmãos, filhos de um mesmo deus, à sua imagem e semelhança.

E a coisa fica “preta” quando tentamos atribuir estes conceitos de processo em nossas organizações sociais. Por natureza, qualquer processo humano será carregado de valores. Um conceito, ou melhor, um conjunto de conceitos que já chega até nós deturpado e cheio de valores embutidos, será atribuído a processos ainda mais valorados, por pessoas ainda mais valorativas. E asneiras serão cometidas em nome do pobre Darwin, ao ponto de termos discursos bizarros saindo da boca de economistas que tentam justificar o fato de haver populações mais ricas aptas que outras e, portanto, mais preparadas para a pressão capitalista ambiental.

Dá vontade de chorar (eu estava guardando meu dramatismo pro final).

Algumas coisas têm que mudar. Temos a opção de abandonar a referência da perfeição. Esquecemos que existe um deus-molde, não pensamos em nossa trajetória espiritual histórica como um melhoramento, entendemos que a variedade (inclusa a de pensamento) é necessária à nossa sobrevivência e rompemos subitamente com essa figura tríade paterna que tanto nos tem judiado.

A outra opção é transformar essa figura. No lugar de termos todos a sua face, ela é que terá de ter todas as nossas faces. Uma figura que é semelhante à vida como um todo é uma figura tão ampla e inimaginável que não pode se espressar por nada que não seja o próprio todo. E aí, talvez, esse Deus multifacetado tenha algum sentido enquanto criador da vida. Mas na verdade, seguindo a lógica da vida em transformação e reconstrução diária, essa figura não poderia ser provocadora (criadora), mas sim resultado inconstante, sujeito a adaptações diárias para manter a semelhança.

Duas considerações a fazer, para terminar, pois já estou fugindo de minha proposta inicial, que era não tentar explicar o universo à luz da evolução.

• Se construímos uma figura de deus à nosa imagem e semelhança (já deixando claro aqui que o inverso, pra mim, é inconcebível), então precisamos primeiro mudar um pouco nossa concepção de vida e realidade. Ou nosso deus será burro como nós todos. E injusto como todos nós. E não é como tem sido?

• Perdão aos filófosos, perdão aos humanistas, perdão às “professorinhas”, mas enquanto for assim, cristianismo e ciência não podem conviver em paz. Não enquanto o conceito de evolução for usado de modo torpe para jutificar que existam os melhores e piores. E aos senhores de batina (ou terno e gravata, na modernidade) apena digo que enquanto houver gente passando fome por ser pior, morrendo por ser pior, não podendo se casar com a pessoa amada por ser pior… Enquanto houver gente nessas condições, (dói, mas é verdade) ciência e religião são inimigas sim.